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Validade do pagamento antecipado do VRG nos contratos de Leasing – Confirmação pelo STJ

Discutiu-se muito, durante certo período, no âmbito do Poder Judiciário, acerca da licitude da pactuação, nos contratos de arrendamento mercantil (ou leasing), de cláusula prevendo o pagamento do chamado Valor Residual Garantido (VRG) em qualquer momento do contrato.

Bem recentemente, essa controvérsia logrou obter solução definitiva, por decisão da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), instância máxima do Poder Judiciário em discussões envolvendo tema de nível infraconstitucional, como era o caso.

Pela relevância da decisão, que tende a por fim ao quadro de insegurança que por bom tempo manteve retraído tão importante setor da economia, convém realçar os pontos que marcaram essa discussão, e como se deu o seu desfecho.

Nos termos da lei (Lei nº 6.099/74, art. 1º), considera-se arrendamento mercantil a operação realizada entre uma pessoa jurídica, a arrendadora, e uma pessoa física ou jurídica, a arrendatária, tendo por objeto o arrendamento de bens adquiridos a terceiros pela primeira, segundo as especificações feitas pela última. Adquirido o bem pela arrendadora, esta o repassa, via contrato de arrendamento mercantil, à arrendatária, que paga, por isso, uma contraprestação mensal durante um determinado período, especificado no contrato.

A doutrina considera o contrato de leasing (relação de direito privado entre arrendadora e arrendatária) um contrato complexo, a abranger elementos de diferentes contratos civis – como a compra e venda, a locação e o financiamento (este último nitidamente prevalecente no leasing financeiro) -, mas que guarda sua própria autonomia. Uma das características a acentuar essa autonomia é o direito assegurado à arrendatária, ao final do contrato, de poder optar pela compra do bem, por sua devolução ao arrendador, ou pela renovação do contrato.

O instituto do leasing recebeu atenção especial do legislador, que, procurando estimulá-lo, contemplou com tratamento benéfico a arrendatária, no campo do imposto de renda, ao considerar como custo ou despesa operacional as contraprestações do arrendamento. Por isso, no que tange à disciplina de direito público presente na relação entre o fisco e a arrendatária, uma operação que não se identifique com a definição legal de arrendamento mercantil é de ser considerada, para fins de tributação, como uma compra e venda a prazo, o que significa não ter a arrendatária, nessa hipótese, qualquer benefício de ordem fiscal. É o que estabelece o § 1º do art. 11 da lei citada.

O chamado leasing financeiro (tema em que se deu a discussão aqui narrada) é aquele em que, nos termos do aparato normativo de regência (Resolução nº 2.309, de 1996, do Conselho Monetário Nacional), as obrigações pecuniárias da arrendatária, principalmente contraprestações mais VRG (pago parceladamente ou não, em qualquer momento do contrato) devem ser suficientes para que a arrendadora recupere o custo do bem arrendado, acrescido de um retorno sobre os recursos investidos. Nessa modalidade, as despesas de manutenção, assistência técnica e afins são suportadas pela arrendatária.

Os contratos de arrendamento mercantil usualmente contêm cláusula estabelecendo o chamado Valor Residual Garantido (VRG), assim entendido aquele valor – normalmente composto de uma parte do valor de custo do bem, do custo de captação do capital empregado em sua aquisição, do custo operacional do arrendamento, e da margem de lucro da arrendadora – que é assegurado à arrendadora receber ao final do contrato, caso a arrendatária não exerça a opção de compra do bem arrendado e também não prorrogue o contrato de arrendamento. Não é difícil entender a razão: o bem arrendado, nas referidas hipóteses, será vendido a terceiro pelo valor de mercado, que pode estar abaixo dos custos incorridos pela arrendadora, sobretudo em função das condições de uso dadas pela arrrendatária. Como os recursos investidos na operação (fruto de captação no mercado) não são, na origem, da arrendadora, mas sim de terceiros, e como a venda do bem à arrendatária é um evento incerto (na medida em que é sua opção comprar ou não o bem arrendado), o VRG é o meio de assegurar-se à arrendadora, ao final do contrato, que recuperará o capital que investiu na operação (regra básica de funcionamento das entidades que compõem o sistema financeiro).

Dentro desse contexto, a diluição do pagamento do VRG ao longo do contrato foi a forma encontrada pelas partes de trazer esse elemento de segurança à relação, sem com isso acarretar, para a arrendatária, um desembolso significativo de recursos ao final do contrato, na hipótese de não optar pela compra do bem. A regulamentação do Conselho Monetário Nacional prevê, aliás, como inerente ao contrato de arrendamento mercantil financeiro, cláusula que contenha a previsão de a arrendatária pagar valor residual garantido em qualquer momento durante a vigência do contrato, sem que com isso fique caracterizado o exercício da opção de compra.

A discussão quanto à validade da cláusula prevendo o pagamento antecipado do VRG chegou ao Poder Judiciário no bojo de processos oriundos de duas situações.

Uma primeira situação fazia-se presente em ações de reintegração de posse ajuizadas pelas empresas arrendadoras, em função de inadimplemento das arrendatárias. Na defesa dessas ações usou-se o argumento de que o pagamento antecipado do VRG significava o exercício antecipado da opção de compra, o que evidenciaria a supressão de um dos elementos essenciais do contrato de leasing – o direito conferido à arrendatária de, ao final do contrato, poder optar entre adquirir o bem, devolvê-lo ao arrrendador ou prorrogar o contrato. O contrato de leasing resultaria, assim, descaracterizado (transformado em contrato de compra e venda a prestação), o que impossibilitaria a reintegração pretendida pelas arrendadoras.

Esse entendimento predominou nas Turmas de Direito Privado do Superior Tribunal de Justiça, que chegaram a editar súmula (de nº 263) nesse sentido.

Uma segunda situação fez-se presente em ações propostas pela autoridade fiscal, objetivando a mesma descaracterização, com a conseqüente perda do benefício fiscal para a arrendatária, ao argumento de que o pagamento antecipado do VRG resultava em ser meramente simbólico o valor a ser pago ao final do contrato pela arrendatária, no caso de vir a exercer a opção de compra.

Essa última discussão desaguou nas Turmas de Direito Público do mesmo Superior Tribunal de Justiça, onde prevaleceu o entendimento de que, não existindo norma de ordem pública a proibir o pagamento antecipado do VRG, haveria de prevalecer, na espécie, em toda a sua extensão, o princípio da autonomia da vontade. Negaram acolhimento, por isso, à pretensão do fisco, mantendo o benefício tributário legalmente conferido às arrendatárias, já que não descaracterizado o contrato de leasing.

Como se vê, embora tratando de ações com objetivos distintos, nos dois conjuntos de situações submetidas ao STJ a discussão era rigorosamente a mesma: a descaracterização ou não do contrato de arrendamento mercantil, em função da cobrança antecipada do VRG. O detalhe é que, examinando a mesma questão, as Turmas do STJ, de Direito Privado, de um lado, e de Direito Público, de outro, chegaram a entendimentos conflitantes: para as primeiras, o contrato de leasing estaria descaracterizado, o que impossibilitava a reintegração de posse pretendida pelas arrendadoras, em função do inadimplemento das arrendatárias; para as últimas, o contrato de leasing se mantinha inalterado, o que assegurava a manutenção do benefício fiscal para as arrendatárias.

Essa divergência foi submetida, por meio de embargos, à Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, competente para dirimir conflitos de entendimentos sobre o mesmo assunto, entre as Seções que compõem aquela Corte.

A decisão tomada pela Corte Especial nesses embargos foi no sentido de reconhecer a plena validade da pactuação do pagamento antecipado do VRG, como elemento ínsito aos contratos de arrendamento mercantil, e de interesse das próprias arrendatárias.

Assinalou a decisão que o pagamento adiantado do Valor Residual Garantido (VRG) não implica antecipação da opção de compra, posto subsistirem as opções de devolução do bem ou prorrogação do contrato. Daí que a cláusula não descaracteriza o contrato de leasing, muito menos o transforma em compra e venda a prestação.

A linha de argumentação subjacente à decisão, expressamente contida em sua ementa, é aquela prevalecente nas Turmas de Direito Público: “Como as normas de regência não proíbem a antecipação do pagamento do VRG, que, inclusive, pode ser de efetivo interesse do arrendatário, deve prevalecer o princípio da livre convenção entre as partes”.

Esse entendimento encontra-se agora pacificado no Superior Tribunal de Justiça, tendo sido cancelada a Súmula nº 263, por não refletir a posição do Tribunal.

Como já acentuado, essa decisão é da maior relevância para o mercado de leasing, na medida em que, contribuindo para inserir segurança nas relações entre arrendadoras e arrendatárias, contribui também para a expansão desse importante segmento da economia, com reflexos altamente positivos na geração de empregos e na produção de renda, vitais no presente momento para a tão desejada retomada do desenvolvimento do País.

É o que assinala o editorial do último informativo (edição 165, set/out/nov 2003) da Associação Brasileira das Empresas de Leasing (ABEL), com a informação de que, desde a decisão reconhecendo a legalidade do pagamento antecipado do VRG, o número de contratos e valores negociados tem crescido de maneira expressiva, informação ilustrada pelos dados do mês de agosto deste ano, em que os novos negócios somaram R$ 510 milhões, valor 99,75% maior do que os R$ 255 milhões registrados no mesmo mês do ano passado.